“As transformações políticas em
relação ao papel do Estado na sociedade portuguesa contemporânea, colocam na
ordem do dia a questão da existência de “excesso” de professores, com o
argumento dominante assente na diminuição da taxa de natalidade. Ora este
argumento, tendo uma componente de verdade, não deixa, contudo de ser
profundamente falacioso, entre muitas razões, por se ignorar as medidas que
contribuíram decisivamente para a ideia de excesso de professores: criação de
mega-agrupamentos e o encerramento de inúmeras escolas, incremento de crianças
e jovens por turma, revisão e empobrecimento curricular com a redução de tempos
lectivos de algumas disciplinas e abolição de outras.
O caso da educação artística e
musical, nas suas várias componentes e tipologias, representa como que um fim
da linha das políticas públicas, que se recentram no que, pretensamente seria
mais útil para a tal sociedade e economia competitiva.
A introdução dos exames no final do 1º
ciclo do ensino básico, de que não sou contra, condiciona logo, a partir do 2.º
ano de escolaridade, a gestão curricular e a organização pedagógica quando as
fichas, avaliações e testes, relegam para uma quase nulidade, outros tipos de
aprendizagens e de saberes que não sejam aqueles que vão constar nos exames.
Tudo isto representa um enorme erro científico, pedagógico e, sobretudo
formativo, com consequências bastante previsíveis para os desenvolvimentos
futuros, apesar de todo o esforço e dedicação de um conjunto alargado de professores
e professoras em resistir e em programar uma ação educativa onde se integra a
educação artística e musical.
Como escreveu o Conselho Económico
e Social Francês, em 2004, “a valorização quase exclusiva de certas qualidades
intelectuais em detrimento de outras […] pode revelar-se penalizante não só
para certas crianças como para a sociedade”. Daí a urgência de se “reconsiderar
o lugar e a natureza do ensino das disciplinas artísticas e da educação
artística na escola […] como uma dimensão cuja qualidade contribui para a
formação do carácter das crianças”, abrindo “novas perspectivas sobre os outros
e sobre si próprias”, instalando “uma pedagogia do fazer e do viver em
sociedade”, permitindo que as crianças e os jovens “acedam a valores
colectivos” e podendo “ajudar a combater certas fontes de insucesso escolar: a
inapetência e o abandono escolar, […] a impressão de que a escola é um lugar de
despersonalização e de ausência de partilha de emoções, a falta de compreensão
das relações entre o que se aprende na escola e as realidades sociais,
profissionais e pessoais”. António Ângelo Vasconcelos in textos, olhares
e críticas.
Em consonância com António Vasconcelos,
resta-me acrescentar…Nestes tempos difíceis e de pensamento (quase) único, em
que aparentemente não existem alternativas ao modelo que se quer impor, é
preciso afirmar, alto e bom som, e até que a voz nos doa, que existem múltiplas
alternativas. E uma delas assenta no facto de que, nas sociedades
contemporâneas, o que torna a educação e a formação das crianças e dos jovens
mais rica e plural é a existência de escolas pensadas e organizadas como
“laboratórios de cultura e de cidadania”, como refere Anthony Everitt.
Laboratórios de cultura e de cidadania que contribuam decisivamente para a
preparação de cidadãos aptos para viverem em tempos complexos e incertos, com
competências diversificadas, capazes de produzirem ideias criativas e
inovadoras, aptos para enfrentarem e responderem a novos e diferentes tipos de
desafios e de riscos.
muito obrigado joana nogueira
ResponderEliminarantónio ângelo vasconcelos
António eu é que agradeço desde já todo o seu contributo nesta área particular da educação que é a educação artística no geral.
Eliminarum texto semelhante aqui http://antonioangelovasconcelos.blogspot.pt/
ResponderEliminarCaro(a) anonimo(a) o texto é de António Vasconcelos tal como sempre citado ao longo do texto. Esse blogue é do próprio autor.
EliminarTexto da intervenção de Catarina Martins in Cultura e Futuro "Quando tudo corre mal temos de reconhecer que não é um acidente. É um propósito. Com um ano de Governo PSD/CDS tudo na cultura corre mal: a Rede Portuguesa de Museus está parada e os museus e monumentos sem pessoal, bibliotecas sem orçamento para aquisições mesmo sem bibliotecários, os teatros e equipamentos municipais de cultura em risco de fechar portas, estrangulados pela legislação sobre as empresas municipais e pela Lei dos Compromissos(...). Na criação artística este Governo não conseguiu cumprir uma única lei nem abrir um único concurso. Para cinema, teatro, dança, música, artes plásticas o Governo fez de 2012 um ano zero. Sobre estatuto profissional das artes e proteção social, embora esteja no seu programa, nada fez e a situação deteriora-se com desemprego e subemprego galopantes(...) E na articulação com a educação, a promessa tantas vezes repetida, as notícias são as piores: acabou a Educação Visual e Tecnológica nas escolas, as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo deixam de ter aulas de português e o ensino artístico está a ser forçado a aumentar o número de alunos por turma e a uniformizar-se a um ponto que a arte fica à porta da escola.(...). Não por acaso, é no Porto, com um executivo camarário PSD/CDS, que a ação cultural mais conhecida da autarquia é o entaipamento: Rui Rio fechou 3 vezes uma escola e 2 vezes uma biblioteca, sem construir qualquer alternativa. Não é um acidente. É um propósito.
ResponderEliminarcontinuação...E parte de duas premissas e duas omissões. As premissas são que a arte pode viver do mercado e que a cultura, a servir para alguma coisa, será para o turismo cultural. Sobre a arte e o mercado, cito a frase de um amigo, Jorge Palinhos, que diz tudo: “a criação artística só por si é a esperança, a criação artística submetida às leis do mercado são bibelots produzidos em série.” O Governo que não percebe a diferença entre arte e indústrias criativas, ou ciência e tecnologia, percebe muito pouco do que quer que seja. E acaba a matar as galinhas dos ovos de ouro: sem setor nuclear da cultura – arte, património, investigação – não há indústrias criativas ou quaisquer outras. Não há também com certeza turismo cultural, que alimenta boa parte do PIB europeu e português. Sim, a cultura alimenta o turismo, mas a cultura não é um bibelot num expositor. Chegamos pois às duas omissões deste governo: que a cultura é cidadania e que é viva. O acesso à cultura, aquele direito que está na nossa constituição, não é um conceito vazio. É a capacidade que cada um e cada uma têm de ter acesso à criação artística e ao património cultural, como espetador ativo e como criador informado. E é uma capacidade que não é para uma ou duas gerações, ou para um ou outro local do país, para quem pode pagar ou dar-se ao luxo de. É um acesso universal, de todas as gerações, de todos os locais, de toda a gente. A primeira consequência da falta de políticas públicas para o acesso à cultura é o cavar das desigualdades; territoriais, geracionais e, muito especialmente, entre quem paga o acesso ao conhecimento e quem não pode pagar. E cava também o fosso entre povos; entre os que são capazes de construir o seu futuro e os povos colonizados. É através da arte e da cultura que conhecemos o mundo em que vivemos e através delas que o desenhamos. Um povo que não conhece as suas histórias e não as constrói e um povo sem futuro. O único estudo sobre a participação cultural em Portugal, feito pela Comissão Europeia em 2006, diz-nos que 2/3 da população portuguesa não tem acesso à cultura. Os números do INE sobre bilhetes e entradas mostram que hoje não estamos melhor. Muito pelo contrário; um estudo sobre cinema recentemente divulgado dá conta da perda de espectadores, provocada pela crise. 2/3 da população sem acesso à cultura. Um gigantesco atraso estrutural. Nenhuma crise será ultrapassada enquanto a Cultura não for uma prioridade nas políticas públicas. Ao Estado não cabe dizer o que é a cultura de um povo. Um povo nunca é um, são muitos. E é com todo o mundo. Ao Estado cabe assegurar as condições de fruição e criação cultural. Não é nenhuma novidade, nem nada de muito estranho(...) Mas julgo que nos une a afirmação comum de princípio e que é essencial: cabe ao Estado desenvolver políticas públicas para a Cultura. Com estratégia e orçamento. A aparente omissão deste Governo é ação; ação destrutiva."
ResponderEliminar