No longínquo ano de 1969 fui obrigado a deixar o carinho da minha família, esposa e filhos e, o convívio de amigos, para partir para terras africanas, que os nossos avós, diziam-me então nos meus primeiros tempos de escola, nos haviam legado como nossas possessões de legítimo direito.
Só muito mais tarde, quase homem feito, tive o conhecimento total e a consciência plena desta noção de “legítimo direito”, sobre territórios usurpados a maioria das vezes pela força e pelo terror aos seus autóctones e desde então, vulgarmente designados com o maior despudor por colónias portuguesas de África.
Todos nos recordamos, como depois de inúmeras pressões internacionais para que Portugal concedesse a independência a esses territórios, se passassem a designar por províncias ultramarinas. Como se a simples mudança de designação, tudo apagasse na memória dos homens, e os tornasse parte integrante do continente de que eram originários os seus algozes e escravizadores.
Como nos deveria envergonhar a todos o conhecimento universal, que os Portugueses se tornaram desde então nos maiores traficantes de escravos negros do Mundo e tantas vezes a coberto duma Igreja, que se dizia apostada em levar a Fé e o Batismo aos povos gentios.
Parti então rumo à ex-colónia de nome Moçambique, conjuntamente com centenas de jovens portugueses, soldados à força para defender, diziam-nos, a integridade do território português, os interesses coletivos em relação a matérias-primas e outras riquezas, a vida dos milhares de portugueses lá radicados e ou já a dos seus descendentes.
Após uma pungente e dolorosa despedida no cais de Alcântara do porto de Lisboa, lá embarcamos no velho navio “Niassa” com o nosso destino pré-determinado pelos “superiores interesses da Nação”, navio que acabou repleto como um odre por uma ordeira e ingénua juventude.
Depois duma viagem de vinte e um dias, na velocidade pachorrenta do velho navio “Niassa”, entretendo o tempo de todos os modos e tentando enganar as já enormes saudades dos meus familiares, tivemos entretanto uma brevíssima estadia de 12 horas em Luanda, antes de finalmente chegarmos ao nosso destino africano, a pequena, mas bela cidade de Porto Amélia rica duma paisagem e orla marítima deslumbrante.
Texto de João Valdoleiros
Agradeço-lhe este texto e testemunho. Fico a esperar a continuação !
ResponderEliminarAbel Ribeiro
Testemunho real de quem sabe do que está a falar. Muito se lhe ficou a dever, pelo facto de não ter havido mais baixas na nossa companhia. Durante os poucos dias de viagem no navio Niassa pôs grande empenho na preparação do seu pessoal de enfermagem e a sua pronta intervenção na picada, numa situação de grande emergência, no socorro a feridos graves, evitaram o pior.
ResponderEliminarFico aguardando com muito entusiasmo a continuidade das suas memórias que servirão para avivar as minhas!
José Fernandes
Caríssimo Amigo Zé Fernandes
ResponderEliminarSó a tua grandeza de alma te permitiu ser tão magnânimo na apreciação tão elogiosa que me fazes.
Tudo quanto de mim,como homem,como profissional da arte da Medicina,advém,quer da minha educação familiar,quer do Juramento de Hipócrates,que proclamei no fim do meu curso de Medicina.
Para além disso tudo,senti a necessidade de vos preparar da melhor maneira possível,já que irieis enfrentar toda a espécie de adversidades e em muitas delas,estariam em jogo as vidas dos vossos (nossos) camaradas,certo que essa preparação vos daria a coragem para tomar decisões,quantas delas de risco,sem tibiezas,sem hesitações,num teatro de guerra,onde tantas vezes estarieis entregues a vós próprios,sem o meu apoio directo.
Preocupei-me,desculpa-me a expressão,em preparar-vos para o que vos esperava,como se de filhos meus se tratassem.Éreis a minha família,aqueles que juntos,iriam sofrer e viver longos meses,longe dos seus entes mais queridos.
Um grande abraço
João Valdoleiros
As suas memórias são para mim uma inspiração,gostei ler e espero que acrescente ainda mais para que possamos saber na escencia do que se tratava
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