Recordo-me perfeitamente quando nos primeiros anos de encartado precisava de sete horas de viagem para chegar do Marco a Lisboa de automóvel. Era cerca de uma hora até chegar ao Porto e mais seis até conseguir encontrar a Auto-Estrada à entrada de Lisboa.
Era uma maratona, que nos levava a várias paragens para recuperar as forças e a paciência, e pelo menos uma para a refeição, que nos permitia enfrentar a fome de tantas horas de viagem.
Recordo-me também de nas deslocações ao estrangeiro as estradas serem cada vez melhor quanto mais próximos estávamos do Centro da Europa. Em Portugal estas vias eram deploráveis, em Espanha um pouco mais aceitáveis e só a partir de França é que encontrávamos estradas com qualidade.
A explicação para isto era que os dirigentes políticos dos anos sessenta e setenta consideravam que os portugueses não precisavam dessas infra-estruturas, que se estavam a tornar comuns na maior parte dos países do resto da Europa. Importante é que os nossos salários fossem baixos, que inflação fosse alta, e que a competitividade das nossas empresas fosse sustentada pelos baixos custos da mão-de-obra.
A realidade é que antes da segunda guerra mundial, quer a Alemanha, quer a Itália, entre outros países, apostaram no investimento nesse tipo de infra-estruturas. Após a segunda guerra mundial, com a ajuda do Plano Marshall, por toda a Europa foram construídas novas vias por onde passaram a correr a força de uma nova economia.
Portugal manteve-se orgulhosamente só, com a auto-estrada entre Lisboa e Cascais, e pouco mais. Afinal esta via sempre permitia que a classe política de então se deslocasse às suas faustosas casas na linha de Cascais.
Em vinte anos Portugal mudou esta realidade, na minha opinião até passou dos oito para o oitenta.
Mas agora repetimos a história, para outro meio de transporte.
A Europa descobriu no fim do século XX, que tinha uma rede ferroviária atrasada, incompatível e com carências de cobertura. Para resolver esse problema, que também impedia uma maior proximidade económica dos vários países da recente criada União Europeia, foram criados programas e incentivos para a construção de novas ferrovias de alta velocidade.
Recordo-me claramente do impacto que tiveram as linhas Paris-Bruxelas e Madrid-Sevilha. Também aqui existiam os velhos do Restelo, que apontavam estas obras como elefantes brancos sem perspectivas de rentabilidade.
De facto estes e outros novos eixos ferroviários, um pouco por toda a Europa, permitiram que a economia europeia se reformasse e florescesse.
Em Portugal vários dirigentes políticos de diferentes cores políticas defenderam a aposta nestas novas linhas de comunicação para permitir que Portugal não ficasse fora, mais uma vez, da estratégia de comunicações ferroviárias da Europa. Os países mais ricos, que acreditavam claramente nesta estratégia, não se importaram de financiar um forte programa de criação de uma linha Europeia de alta velocidade.
Tal como nos anos 30, estes investimentos permitiam que a economia local fosse beneficiada pela criação de muitos postos de trabalho e, mais importante, fazia com que as regiões favorecidas pela existência destas importantes vias não fossem esquecidas pelos grandes investidores internacionais.
E o que aconteceu hoje em Portugal?
Os “nossos” actuais dirigentes políticos consideraram, que estrategicamente Portugal não precisa de estar ligado a esta rede de alta velocidade. Afinal podemos continuar a ser um jardim à beira mar plantado, sem a preocupação de lutar por um futuro melhor para nós e para os nosso filhos.
Afinal continua a existir a auto-estrada de Lisboa a Cascais, que serve muito bem para quem tem uma faustosa moradia na Quinta da Marinha.