quinta-feira, 25 de março de 2010

A Necessidade da Mentira

Um leitor anónimo enviou este texto, com o seguinte comentário:

Para leitor reflectir,em especial,todo aquele que se diz amante da Verdade e solidário com os que se assumem seus paladinos.

A imoralidade da mentira não consiste na violação da sacrossanta verdade. Ao fim ao cabo, tem direito a invocá-la uma sociedade que induz os seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a seguir, tanto mais seguramente os puder surpreender. À universal verdade não convém permanecer na verdade particular, que imediatamente transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira é inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém ao açoite do antigo látego, mas que ao mesmo tempo diz algo acerca do carcereiro. O erro reside na excessiva sinceridade. Quem mente envergonha - se, porque em cada mentira, deve experimentar o indigno da organização do Mundo, que o obriga a mentir, se ele quiser viver, e ainda lhe canta: “Age sempre com lealdade e rectidão”.

Tal vergonha rouba a força às mentiras dos mais subtilmente organizados. Elas confundem; por isso, a mentira só no outro se torna imoralidade como tal. Toma este por estúpido e serve de expressão à irresponsabilidade. Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há muito perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem a resposta. Mente – se só para dar a entender ao outro que a alguém nada nele importa, que dele não se necessita, que lhe é indiferente o que ele pensa acerca de alguém. A mentira, que foi outrora um meio liberal de comunicação, transformou-se hoje numa das técnicas da insolência, graças à qual cada individuo estende à sua volta a frieza, e sob cuja protecção pode prosperar.

Excerto da obra “Mínima Moralia”,de Theodore Adorno

Sem comentários:

Enviar um comentário