O Externato D. João III, mais conhecido como o colégio, foi a única instituição que ao longo de anos ministrou o ensino liceal no Marco. Tal como outras, como por exemplo o colégio de Cinfães, servia o município naquilo que na época não havia, uma rede pública de ensino. Era uma casa muito à frente na sua época. Ali se ministrou ensino de elevadissima qualidade, se recorreu a técnicas pedagógicas avançadas e se deu particular atenção a questões sociais. Os alunos de famílias que não tinham capacidade de pagar, ficavam isentas; os alunos de mais longe tinham transporte assegurado. Lembro-me bem de todas as tardes os alunos de Soalhães serem transportados gratuitamente pelo meu pai, quando este ia dar consultas àquela freguesia, mas os quais já de manhã tinham sido trazidos pelo Sr. Manuel. Era propriedade do colégio um grande Chevrolet, uma limosine Royal com capacidade para oito passageiros, mas que costumava transportar os que fossem precisos. Tinha dois bancos corridos, uma largura de eixos enorme e uma cor inigualável: preto até a altura das portas e café com leite a partir daí. Miúdo, adorava andar naquele carro que de velho lá tinha as suas manias. Quando os travões iam abaixo e pedal não voltava ao sítio, obedecia de imediato à ordem " menino, olha o travão!" e célere corria para o pedal, levantava-o com a mão e tudo voltava ao normal. Até que um dia... ... estava o carro estacionado na praça D. Carlos I e no final das consultas da manhã lá fomos buscá-lo para de tarde ir para Soalhães. Nesse dia custou a pegar, mas quando começámos a descer a Rua Humberto Delgado recebi a dita ordem em frente ao talho do Ferrador. Lesto cumpri, mas o pedal não levantava. Depressa percebi o perigo que corríamos se este não levantasse. Tentei, tentei mas nada. Estavamos sem travões. Gritei socorro, acenei para as pessoas e estas atónitas olhavam para aquela massa a começar a ganhar uma velocidade incrível. Em frente ao Foto Rocha tinhamos o cruzamento com a Rua Manuel Pereira Soares e se vinha algum carro ou pessoa era um desastre. Meu pai apitava constantemente para afastar as pessoas. Estas alarmadas gritavam, corriam atrás de nós, tentavam fazer algo. Conseguimos voar quando o chassis bateu na rua e numa tentativa de parar começamos a roçar pelos plátanos que havia no Fundo da Feira. Nada. Cada vez a velocidade era maior. Mais tarde percebi integralmente Newton ao postular a sua segunda lei: a força é o produto da massa pela aceleração. O declive cada vez mais acentuado fazia o carro ganhar cada vez mais força. Com a Avenida 28 de Maio à vista, alcançamos uma esperança: em frente à casa do Sr. José Pinto havia um monte de paralelos enorme que servia para calcetamento e logo mais abaixo uma árvore. Estão ali as nossas hipóteses, ouvi serenamente da boca de meu pai, enquanto me calava e olhava ansioso para a frente. Escassos segundos que teimaram em passar separaram-nos do embate. Levámos grande parte dos paralelos à frente e parámos a poucos centimetros da árvore. Saltámos, ainda bati com a cara no tabliê, mas sobrevivemos. O Chevrolet não. Ainda ali ficou uns tempos, talvez a mirar o fundo da Avenida imaginando o que nos podia ter acontecido. Sempre que podia ia ter com ele e brincávamos conduzindo-o pelas ruas da minha imaginação, engrenando as suas 3 velocidades ao ritmo de um tempo que passava devagar e onde as crianças brincavam na rua, dentro de um velho Chevrolet café com leite.
São acontecimentos como estes que nos trazem boas recordações.
ResponderEliminarTrazem à nossa imaginação a juventude passada na nossa linda terra, e as coisas boas que nela se faziam.
Convenhamos, que esta foi mais uma “aventura” de que uma boa recordação…
Lembrava-me do carro, mas não me lembrava da aventura.
ResponderEliminarFoi no 3º ano do Liceu ?
Amigo Dr.Artur Melo(permita-me tratá-lo por amigo),que memórias o meu amigo veio avivar,do saudoso Externato D.João III.Fui aluno,entre outros,dos saudosos Padre Vaz e Dr.Preto,homens duma formação humana que dificilmente se encontra hoje.
ResponderEliminarO mundo actual,do consumismo desenfreado,dos hábitos de novo-riquismo saloio,da perda dos valores ensinados pela Ética,pela Moral Religiosa,pela Educação,pelo Respeito pelo próximo,nesse tempo estava muito longe de sequer,ser vislumbrado,como possível,no horizointe das nossas vidas.
Criavam-se e solidificavam-se amizades para toda a vida,independentemente da condição social e económica dos nossos colegas de estudos.
As nossas gargalhadas eram expontâneas,saudáveis,o nosso frenesim e agitação também,não precisavamos dos "estimulantes" que hoje andam por aí a desgraçar filhos e famílias.
E mais não digo.
Um abraço sincero ao meu amigo Dr.Artur Melo,com os votos de que continue a postar.Estou a gostar também desta sua faceta,aliás,muito humana.